Hoje tivemos uma reunião com a Fumbel, Semma, Belémtur, Iphan, Secult, etc, no cine Olimpia, para discutir mais um plano para o Centro historico de Belém, cuja data de entrega era...hoje. Acontece que não tinham nada a apresentar e os presentes se rebelaram. Que democarcia participativa é essa? Como aprovar algo sem nem examinar um pouco? Será mais um para juntar-se aos outros????
É triste verificar a quantidade de leis, projetos e estudos, feitos com a “intenção” de revitalizar o Centro Histórico de Belém e vê-lo continuar do mesmo jeito, aliás, vê-lo degradar dia a dia. O pior é que, à medida que se acentuam as discrepâncias entre potencialidade de uma área e sua situação de degrado, a recuperação física, econômica e social de tal área, se torna cada vez mais urgente e dispendiosa, consequentemente, em Belém, muito mais difícil.
É o que está acontecendo na Cidade Velha. Tem razão, portanto, o jornalista Oswaldo Coimbra ao dizer “Ninguém se iluda com a nova Sé. O Centro Histórico está se acabando“ (DIÁRIO DO PARÁ DIA 5/9/09).
Uma ilusão já tinha sido criada quando recuperaram a Igreja de Sto. Alexandre e o seu entorno foi inaugurado: davam a entender que isso iria induzir a revitalização do bairro. Mas não foi o que aconteceu, pois continuamos até hoje a ver abrirem ou autorizarem atividades que induzem, na verdade, mais a destruição do que a revitalização. Depois, continuamos a ver, também:
- os trabalhos de recuperação do Palacete Pinho, parados. Plantinhas já nascem no seu telhado demonstrando o fim que levaram as verbas gastas para mantê-lo incompleto e abandonado;
- tapumes cobrirem aquele belo sobrado de azulejos onde não funciona o Instituto Histórico e Geográfico Quanto foi gasto pra tirarem os matinhos do telhado, reformarem o forro e as esquadrias, trocarem as instalações elétricas, e pouco mais, do Solar do Barão de Guajará? Ele continua inutilizado. Em que condições estão seus tesouros como quadros, móveis de mogno que pertenceram ao Barão, os documentos raros e os livros que relatam a mais fiel história do Pará? Quando o reabrirem, quem sabe o que terá sobrado do seu acervo com esse nosso clima...
- o abandonado Mercado do Sal, que, alíás, muita gente daqui nem sabe que existe uma estrutura com esse nome, imaginem se sabem como está e para que serve, atualmente!
Muito mais do que isso o Prof. Oswaldo Coimbra lembrou no seu artigo. Mas, os moradores o que podem fazer? Somos obrigados a pagar o IPTU mas qual o modo para defender da “destruição” o nosso patrimônio, público ou particular que seja? Os 49 proprietários de casas na Cidade Velha que acreditaram nas vantagens do Programa Monumenta: continuam esperando, a distância de mais de um ano, que as verbas cheguem ao seu destino para poderem “revitalizar” suas casas e depois as verem pichadas.
Como sócios da CiVViva, que nasceu para defender a Cidade Velha junto aos poderes organizados – Legislativo, Executivo e Judiciário – nos âmbito Federal, Estadual e Municipal – visando a edição e aperfeiçoamento de leis e procedimentos atinentes à cidadania e à qualidade de vida dos moradores e estabelecidos no Bairro, a sua revitalização, preservação, valorização do seu patrimônio cultural e preservação do meio ambiente, nos damos conta que torna-se cada dia mais difícil exercitar nossos direitos e objetivos, vista a incoerência de quem nos governa. Somos ignorados tanto quanto as leis em vigor e não aplicadas.
Será que somente nós vemos esse uso (e abuso) indiscriminado de áreas no Centro Histórico para as quais as leis prevêem a preservação? È coerente isso? Tem praças que viraram campo de futebol, outras tornaram-se estacionamento de táxis, tem aquelas que viraram dormitório, as que se tornaram centro de alimentação a céu aberto, as que viraram “sambódromo”ou “carimbódromo”, etc. De um lado a lei protege o nosso Patrimônio, do outro, e abusivamente, quem deve salvaguardar as normas, autoriza o que não deve, ou fecha os olhos para os abusos.
É, "a qualidade da cidade depende da qualidade dos cidadãos”. Não sabemos quem disse isso, mas achamos válido julgar os cidadãos através de como tratam sua cidade. Incongruências, incoerências, falta de educação, e outros absurdos vemos continuamente seja da parte do cidadão que da parte de órgãos públicos. Os resultados parecem demonstrar não existir muita comunicação entre as Secretarias e, consequentemente, não existir uma programação conjunta. De fato, quando a nossa administração autoriza o uso de um local público para qualquer manifestação, deveria, a priori, verificar a compatibilidade do espaço com o uso a ser feito; exigir o respeito das normas em vigor seja em relação a poluição sonora, seja relativamente a venda de bebidas e comidas (L.M.7862); prever a fiscalização da idade dos freqüentadores; estabelecer horário (coerente) para encerramento do evento e também para a limpeza da área pública usada. A primeira pergunta a se fazer seria: quanta gente esse evento vai trazer para este local? Mas em quantas ocasiões assim é feito? O mau dimensionamento de eventos acaba levando, principalmente, a degradação dos espaços usados e do seu entorno. E no caso o evento não tenha nem sido autorizado, cadê os fiscais para tomarem as providências previstas em lei????
É necessário conhecer os bairros, a nossa realidade. A estrutura da Cidade Velha, por exemplo, não comporta eventos de grandes proporções, assim como não comporta enormes locais noturnos. Suas ruas estreitas e o que restou das calçadas de liós transformam-se, regularmente, em estacionamento, além dos ambulantes que chegam de todas as partes e ocupam o leito da estrada. Flanelinhas abusivos comparecem para ajudar a aumentar o caos. Mesmo com banheiros químicos, são as paredes e portas das casas que são usados... e o cheiro fica para os moradores. Carros com musica alta e buzinando, acordam os moradores de madrugada, ao saírem dessas festas. Quem autoriza esses eventos não sabe que tem famílias que ainda moram em casas na Cidade Velha? Não sabe que, fazendo parte do Centro Histórico, segundo a Lei n. 8.295, de 30 de dezembro de 2003, o bairro deve ser conservado e protegido? É necessário um pouco mais de cautela, portanto.
Não vemos ninguém vir para o Centro Histórico por em prática nenhum daqueles planos ou projetos feitos em sua defesa e que foram pagos com o nosso dinheiro. Ninguém aparece também para resolver os problemas do dia-a-dia dos moradores e nem as pequenas coisas que precisam ser feitas. De fato, ninguém se lembra de podar as mangueiras que cobrem as poucas lâmpadas que ainda acendem na Praça do Carmo; ninguém toma providências a respeito da grama que desapareceu de dita praça; ninguém providencia o respeito das normas relativas a poluição, e não somente a sonora; ninguém se preocupa com a trepidação das casas a causa do aumento do transito; ninguém faz algo para que o lixo não se acumule nos cantos das ruas; ninguém pensa no pedestre que deve andar pelo meio da rua pois as calçadas estão ocupadas com automóveis de quem trabalha na Prefeitura, no Tribunal de Justiça, nos vários Ministérios Públicos, ou na Assembléia Legislativa; ninguém cuida da praça República do Líbano, novo centro de alimentação de quem freqüenta os órgãos públicos situados ao seu redor; ninguém resolve o problema do “canal” da Tamandaré; ninguém proíbe o aumento do transito de vans na Dr. Malcher, ninguém transforma a água barrenta das torneiras em algo saudavel; etc., etc., etc.. Mas, para fazer festa, aparecem, heim?
O art. 23 da nossa carta política deixa claro que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. A proteção desse patrimônio é, portanto, um dever de todos nós e, neste caso estamos falando, exatamente, da preservação, revitalização e conservação das áreas públicas, edificações e monumentos do Centro Histórico de Belém, de modo coerente. Uma vigilância permanente é necessária.
A defesa da nossa cultura não deve ser utilizada como escudo para ajudar a destruir o que sobrou do nosso patrimônio histórico-arquitetônico. O melhor lugar para eventos chamativos tipo as "serenatas" é a Aldeia Cabana, não o Centro Histórico. No caso se trate, em vez, de campanha eleitoral, então é melhor que façam cada vez num bairro diferente. O bem comum não deve prevalecer sobre o individual?
É necessário que se comece a admitir a necessidade da colaboração da comunidade, pois com ela deve-se promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, em vez de destruí-lo. Com essa colaboração vigilante e outras formas de acautelamento a preservação é garantida.
Estamos oferecendo a nossa colaboração, não estamos pedindo nada fora das leis, nem fazendo demagogia: não somos candidatos a nada, somos somente eleitores da Cidade Velha.
Dulce Rosa de Bacelar Rocque -
Presidente Associação Cidade Velha-Cidade Viva.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Entre Manaus e Belém
DUAS CIDADES AMAZÕNICAS (SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS)
Benedito José de Carvalho Filho
Sociólogo
Imaginemos um viajante que se disponha conhecer hoje as duas maiores cidades amazônicas, Belém do Pará e Manaus, não como um simples turista, mas com um olhar mais informado sobre os universos que se escondem por detrás de suas aparências.
Ele, naturalmente, não deixaria de ser tentado a ensaiar algumas comparações, mas logo, silenciosamente, se indagaria: sob que olhar e de que ângulo observar as duas cidades amazônicas?
Através das narrativas postas à disposição do público pelo Estado, que, ao produzir seus coloridos folhetos, induz o leitor a acreditar que as duas cidades descritas são paradisíacas, com seus monumentos históricos, suas belezas naturais, sempre na tentativa de vender para esse público (e de fora) uma imagem da cidade que os seduza, principalmente nesses tempos onde a Amazônia ganha holofotes da mídia mundial?
Informado, ele logo perceberia, como os antigos viajantes que estiveram por aqui entre os séculos XIX e início do século XX, que olhar, ver, observar, e às vezes cheirar, são instrumentos fundamentais em determinados processos de investigação, pois as cidades são espaços vivos, segundo a expressão de um dos seus escritores, Milton Hatoum, onde cada objeto, coisa ou lugar, pode ser retratado a partir de um olhar daquele que observa que nunca é neutro e desprovido de emoção e sensibilidade.
Olhar as cidades no tempo, ler o que se escreveu sobre ela através da ficção, memórias, fotografias, ensaios sociológicos e etnográficos etc.é sempre uma forma de se aproximar de suas identidades, mesmo sabendo que a memória é sempre uma reconstrução imaginária, uma forma de simbolizar o passado. Por isso, torna-se impossível resgatar com precisão os tempos que já se foram, pois o importante é buscar seus restos mnemônicos presentes na sua arquitetura, no traçado de suas ruas, nos modos de vida de seus moradores, restos que sobrevivem ao tempo.
Se a cidade, como diz Ossame é morada concentrada de pessoas, com uma arquitetura e paisagens criadas a partir de um ideal de beleza ou imaginação, ou um lugar de circulação de pessoas, de mercadorias e capital (constituindo-se num conjunto de relações sociais, como diria Marx), como as compreender nas suas múltiplas perspectivas, nas suas polissemias e diferenças a partir do que experimentam seus moradores em pleno século XXI, no momento em que se intensifica o capitalismo, a modernidade, sob o qual dormita um passado constantemente criado e recriado pela força da tradição?
Certamente o nosso viajante logo perceberia que os diversos olhares não são inocentes, mas perpassados pelo poder, ou seja, pelos vencedores, que contam e recontam à sua maneira a história, que acaba por se constituir a história oficial. Perceberia, por exemplo, que a imagem da “cidade monumento” encontrada nos folhetos turísticos, faz parte “de um processo de representação simbólica” onde as narrativas estão permeadas de visões preconceituosas sobre os nativos e carregadas de hipérboles, como a construção da imagem da cidade de Belém, vista como uma cidade modelo da Amazônia, com seus povos autóctones de hábitos e costumes exóticos para quem vem de fora, os turistas viajantes, nacionais e estrangeiros, naturalistas e muitos outros personagens encantados pelo “país das Amazonas.
Além da nostalgia, as “múltiplas cidades”
Belém, uma cidade que, como Manaus, teve seu apogeu na era do ciclo da borracha, que tornou o Pará um dos estados mais ricos do Brasil em fins do século XIX, (isso é questionado pelos amazonenses) guarda um patrimônio arquitetônico significativo, signos da belle époque. Muitos estão em mal estado de conservação e são observados à distância pelo nosso viajante, gerando nele uma sensação ambivalente de decadência e nostalgia.
Segundo observou um cartógrafo, estudioso da cidade, o discurso atual sobre um suposto passado glamoroso e as tentativas que os órgãos públicos fazem para cristalizar e transformar esse passado é um desejo de contrapor-se à finitude; desejo de congelar o tempo, de fugir à inexorabilidade do seu escoar. Como exemplo disso temos o belo álbum Belém da Saudade onde se percebe isso que ele chama de nostalgia imobilizadora, esse sentimento bem perceptível nos moradores mais velhos da cidade, sempre recordando a Belém que já teve, sem perceber que esse período não nos pertenceu e que esse desejo idealizado de paz, tranqüilidade e beleza da cidade que não é mais, na verdade, esconde um medo profundo do presente e do futuro que não aparece como muito promissor no momento.
Essa nostalgia evidenciada numa parcela dos cidadãos paraenses também é muito presente no cidadão amazonense. Ao folhear os jornais da cidade frequentemente deparamo-nos com as crônicas da cidade antiga, os seus velhos pontos de encontro, as brincadeiras de crianças, os jogos de futebol nos campos de várzeas, as ruas onde se encontravam para tomar a fresca em frentes das casas (hábito que perdura em alguns lugares) e tantas outras recordações. Todos esses fragmentos de lembranças trazem à tona essa nostalgia que, na maioria das vezes, idealiza o passado e teme o presente nessa era de acelerada modernidade com suas autodestruição criadora, mudando paisagens urbanas, criando e recriando novas formas de sociabilidade.
Como em Belém, aqui o patrimônio arquitetônico deixado pela époque belle também é exaltado e reverenciado, como o majestoso Teatro Amazônico, inaugurado em 1896, com seu auditório em forma de ferradura, com capacidade para 681 pessoas, incluindo três andares de camarote; o belo prédio da Alfândega inaugurado em 1906, todo executado com matéria prima da Inglaterra, um dos primeiros prédios do Brasil construído em blocos de pedra, como dizem orgulhosos os amazonenses; a Usina Chamiê, hoje um prédio que serve para exposição de arte, mas que, no passado era uma estação de tratamento de esgotos, mesmo que nunca tenha funcionado com essa finalidade; o seu Porto, construído pelos ingleses em 1902, onde se pode divisar da margem a passarela de passageiros, indo e vindo pela ponte de concreto, feita para oscilar com a subida e descida das águas do Rio Negro.
Em qualquer folheto para turistas nacionais e estrangeiros pode-se manusear e visitar esses prédios históricos. Por isso, nosso viajante não tem interesse em fazer o balanço detalhado de seu percurso ao visitar todos esses monumentos e se interroga: onde se escondem as “outras cidades”, aquelas que não aparecem nas narrativas do poder, que permanecem invisíveis, como as “cidades invisíveis” de Ítalo Calvino? De que forma a maioria de seus moradores vivem, amam e morrem nessas duas cidades tão rivais e provincianas em suas disputas?
Os turbilhões e abalos sísmicos por vir
Circulando na cidade de Manaus, por onde trafega no meio de um trânsito enlouquecido (descobre depois de ler um jornal local que a cidade de Manaus, possui o décimo oitavo transito pior do mundo), vê rapidamente as propagandas do governo dizendo que o povo amazonense tem orgulho de ser amazonense. Isso o fez recordar os outdoors espalhados pelas ruas de Belém, onde aparecia a foto da governadora e, ao lado, com letras bem visíveis, o dizeres sobre o Pará, terra de direitos, em um dia de muita chuva e calor, exatamente quando o jornal local divulgava a absolvição do assassino da irmã Dorothy, intrépida defensora do meio ambiente.
No meio daquele turbilhão, em plena Bola do Coroado, como o povo da cidade de Manaus batizou um retorno, onde atualmente está sendo construído um imenso viaduto para dar conta do imenso fluxo de veículos que vai em direção à Zona Leste ao centro da cidade, o nosso viajante tomou consciência de que a cidade, com seus 14.337 quilômetros quadrados de espaço territorial abriga mais de 2 milhões de pessoas que moram, trabalham, vivem e morrem em territórios distintos, com suas exclusões sociais, suas segregações, suas diversidades culturais e formas de sociabilidades.
Nessa polissemia de vozes e estilos de vida, entre o luxo (de uma minoria fechada em seus carros climatizados) e a precariedade (dos que usam os transportes públicos) esse fosso que separa a cidade dos ricos e dos pobres, ele estava convicto da existência de muitas “cidades” que emergiam nessas duas urbes amazônicas, impossíveis de serem captadas e compreendidas sem um longo trabalho etnográfico, de observação e análise.
Mas o que estar por vir é um turbilhão infinitamente maior do que este e suas conseqüências são imprevisíveis, como os abalos sísmicos que ameaçam a vida de muitas cidades do Amazonas.
Manaus é a única capital do país que não tem acesso rodoviário. A reabertura da Rodovia BR-319, prevista pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) vai provocar transformações ainda mais radicais na cidade de Manaus, que tem como carro chefe de sua economia o que se produz na Zona Franca, gerador de parte considerável dos empregos na cidade, juntamente com setor comercial, principalmente o mercado informal, os dois maiores geradores de emprego nos últimos anos, juntamente com o primitivo escambo extrativista, que funciona ainda nos moldes do começo do século passado.
Uma revista profetiza o que vem pela frente quando essa rodovia estiver concluída:
Como qualquer estrada, em qualquer país, em qualquer tempo, vai ser a ponta de lança de um processo de povoamento essencialmente hostil ao meio ambiente. Por outro lado, como artéria do desenvolvimento, ela é prioritária. A rodovia fará ligação por terra dos estados do Amazonas e Roraima com o resto do país. Ligaria também a Região Sudeste à malha da vizinha Venezuela.
A hostilidade já estava acontecendo desde quando ela começou a ser construída no princípio dos anos 70, quando por ali passaram linhas de ônibus regulares, até 1982. Mas por falta de manutenção, 400 quilômetros de asfalto se perderam, e o trecho ficou intransitável.
Como pano de fundo é evidente que o que está em questão é a maior inserção do Estado do Amazonas e de sua capital, Manaus, na dinâmica do capitalismo selvagem, já visto no Pará, sempre com sua lógica do desenvolvimento a qualquer custo e muito menos a preocupação com o homem e o meio ambiente, mesmo quando apresenta seus estudos de impacto ambiental prometendo conciliar conservação com desenvolvimento.
Como deixar intacta uma região que possuí a maior bacia hidrográfica do mundo em um país carente de energia limpa, boa parte delas localizadas na região Amazônica? Como deter um imenso fluxo migratório que virá numa avalanche quando a estrada estiver concluída? Como evitar os imensos desmatamentos já iniciados no sul do Estado do Amazonas com a introdução da cultura da soja e a disseminação das pragas que já é objeto de grandes preocupações no sul do Estado? As medidas propostas pelo DNIT no EIA/RIMA serão suficientes para impedir que a integridade física e territorial dos índios Palmiri, Apurinã, Parintintin,Thearim, Tora, Mura e tantos outros (são cerca de 10 tribos) seja mantida ? Ou vão se repetir os mesmos massacres que ocorreram durante a construção das grandes rodovias na Amazônia, onde impera as grilagens, a pistolagem e os grandes conflitos de terra?
As duas cidades, Manaus e Belém não podem ser pensadas fora desse contexto maior. Elas são produtos, como todas as cidades brasileiras, cada uma com a sua singularidade no processo de modernização conservadora brasileira, onde se desenvolve um capitalismo que foi capaz de gerar uma base produtiva e complexa e diversificada na região sudeste e que gera, ao mesmo tempo, a pobreza, a exclusão social, a desigualdade regional e a reprodução da relação entre o arcaico e o moderno, ambigüidade bem visível para qualquer viajante que se disponha a sair do litoral e conhecer o que acontece nos grotões do país. O que se chama de desenvolvimento e exclusão social, crescimento e pobreza é face de uma mesma moeda, mesmo nas regiões mais ricas do país, como São Paulo, por exemplo.
Os cidadãos da cidade de Belém conhecem muito bem o que ocorreu quando foram abertas as suas fronteiras, iniciando com a Belém-Brasília, quando possuía uma diminuta população. Manaus, já integrada nessa dinâmica, mas ainda não com a mesma intensidade da cidade de Belém, enfrentará os mesmos problemas de sua co-irmã, mas com um agravante: a explosão populacional, pois a cidade que hoje possuí mais de 2,5 milhões de pessoas espremida em seu sítio urbano, acolhendo uma população carente de todos os serviços urbanos necessário para sobreviver civilizadamente, verá os novos forasteiros chegando sem que a cidade ofereça as condições necessárias para viver uma vida digna na sociedade. Os serviços públicos, que hoje são precários, dificilmente serão capazes de responder a gigantesca demanda e a cidade explodirá com a violência – como acontece agudamente em Belém -, o caos urbano, com as especulações imobiliárias, o trânsito caótico e tantos outros problemas capazes de imobilizar qualquer administração pública. É isso que se chama progresso nessa imensa e rica região do país.
Para muitos cidadãos das duas cidades isso é visto com otimismo e isso é muito bem trabalhado pela farta publicidade governamental. O Pará realçando a riqueza de seu subsolo, onde se encontram as maiores reservas minerais do mundo, e o Amazonas a sua floresta, sua biodiversidade, seu potencial turístico e sua inesgotável riqueza florestal. Por isso, a cidade já estuda a localização de um novo porto (em Lajes, na confluência do rio Negro com o Solimões) e cria as condições para ampliação de novas zonas de ocupação em seu entorno que será possível quando a ponte sobre o rio Negro estiver concluída.
Por que me ufano de meu Estado?
Será mesmo que o amanuense se orgulha em viver numa cidade com tantos problemas dramáticos como existentes atualmente? Ele tem consciência do furacão que se aproxima? Quando o governo fala em povo amazonense de que povo está se referindo? Dos que vivem nas chamadas áreas nobres com alto poder de consumo, que freqüentam as zonas sofisticadas, uma parcela bem reduzida de sua população? Ou às populações de seus bairros pobres, das baixadas, como as de Belém do Pará, ou as chamadas ocupações da cidade de Manaus?
Muitas vezes quando se compara Manaus com Belém um dos indicadores apontados pelo senso comum é o tamanho da população das duas cidades, como se isso significasse um sinal de progresso e desenvolvimento. Certo provincianismo e uma rivalidade cega acirram uma antiga disputa para saber qual a cidade maior da Amazônia, sem uma reflexão sobre o significado dessa explosão demográfica verificada nessas duas regiões.
De fato, as duas cidades da Amazônia vêm experimentando nessas quase quatro décadas um crescimento demográfico simplesmente espantoso. Manaus, por exemplo, possuía em 1970 pouco mais de 300 mil habitantes em seu território urbano, no ano de 2000, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltou para 1,5 milhões de habitantes e hoje (2009) já passa de 2 milhões de pessoas (se incluirmos nessa contabilidade a população que reside na área metropolitana) ultrapassando Belém que não chegou a 1,4 milhões de habitantes.
Curioso, mas que revela uma das singularidades do desenvolvimento urbano da Amazônia é a forma de ocupação de seu território. O Estado do Amazonas é um desses casos singulares, talvez o único no país. Considerado o maior Estado do Brasil, possuí 1,5 milhão de quilômetros quadrados e ocupa mais de 18% do território brasileiro. Temos, portanto, um imenso território parcamente povoado (como toda a Amazônia onde vivem mais de 20 milhões de brasileiros, quase o dobro da existente na cidade de São Paulo), onde a maior parte de sua população vive nos seus 14.337 quilômetros quadrados, área que ocupa a cidade, fazendo de Manaus uma “ilha demográfica”.
Como diz o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto ao comparar Belém e Manaus:
Mas enquanto Manaus concentra praticamente metade da população do Amazonas, que tem 300 mil quilômetros quadrados a mais do que o Pará (um terço a mais do território, portanto), Belém está restrita a praticamente 20% do Estado. No entanto, a capital nucleou o seu entorno, enquanto Manaus é uma “ilha demográfica”.
Mais adiante aponta uma outra característica:
A área metropolitana de Belém, com cinco municípios, já passou de dois milhões de habitantes, o que dá maior poder irradiador e retro alimentador à sua rede demográfica, uma capilaridade que poderá ser ainda mais importante no caso de uma nova divisão territorial do Pará. A fragilidade nesse aspecto é visível e grave.
É grave porque o que movimenta a cidade de Manaus é a Zona Franca, um instrumento de desenvolvimento baseado num tratamento tributário e alfandegário especial, à base de renúncia fiscal, e considerando a capital amazonense como se fora território estrangeiro.
Mas, pergunta o jornalista e sociólogo:
Mas o que acontecerá em 2013, quando – e se – a Zona Franca chegar ao fim? Manaus terá amadurecido o bastante para caminhar com as próprias pernas? O Amazonas terá sido modificado o bastante, por iniciativa como a Zona Franca Verde, do atual governo do Estado, para não submergir sob uma eventual crise da capital?
De fato, o gerador de todo esse processo de crescimento demográfico em Manaus teve como marco inicial o ano de 1967, quando foi implantado o modelo econômico Zona Franca de Manaus no âmbito da política regional de integração nacional dos governos militares.
As mudanças trazidas pelo processo de industrialização afetaram rapidamente a vida cotidiana dos amazonenses. A estrutura da cidade modifica-se com numa velocidade intensa, criando novas formas de sociabilidade e alterando as formas de viver, sentir e perceber a cidade. O espaço urbano ganha outra visibilidade com o crescimento populacional decorrente do processo migratório, que ocorre com a formação de inúmeros bairros. Eles passam a constituir a periferia da cidade.
A crise apontada pelo jornalista já é evidente, acelerada com outra crise bem maior: a crise econômica mundial, cujos efeitos já se fazem sentir na cidade, como a presença de uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras demitidos nesses últimos meses, aumentando e agravando os graves problemas de uma cidade que se transforma em uma velocidade estonteante e selvagem, onde logo se percebe as imensas desigualdades sociais no acesso a todos os serviços e na brutal demanda das classes populares, lotando hospitais, os transportes (precarissímos), a educação e todos os serviços públicos.
É preciso lembrar, que apesar do apelo ufanista dos administradores da cidade, recorrendo ao reforço da auto-estima dos amazonenses, como o slogan “o orgulho de ser amazonense”, não há tanta razão para o cidadão pobre, desempregado, se orgulhar tanto de sua terra.
Os últimos indicadores sociais não vão na direção desse otimismo governamental. Recentemente o IBGE divulgou, pela primeira vez, uma divisão do Produto Interno Bruto por municípios. Essa novidade estatística mostrou que Manaus possuí o quarto maior PIB municipal do Brasil, do tamanho de R$ 20,3 bilhões, superior ao de capitais mais populosas, como Belo Horizonte (em quinto lugar, com R$ 18 bilhões), e Curitiba (7%), com R$ 14 bilhões. Belém ficou 27 lugar.
Mas quando se verifica como está distribuída essa riqueza na cidade de Manaus e Belém os dados são assustadores e confirmam as impressões do viajante quando circula por ela:
Quarta em geração de riqueza, a capital amazonense ocupa o 1.194º lugar por um índice que mede a distribuição dessa riqueza, na forma de desenvolvimento econômico, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais relevante atualmente que o PIB. (...) Por causa de Manaus, a Amazônia aparece como a segunda região do país que mais concentra a riqueza, abaixo do Sudeste que sofre o impacto de São Paulo, o município que mais desigualdade gera. No Norte, 10% dos Municípios com maiores PIBs produzem 14,7 vezes mais renda que 50% com menor PIB. A média nacional (de 19,9 vezes) é maior justamente por causa da desigualdade do Sudeste (29,8 vezes), devido a São Paulo.
Mas, continua o jornalista:
A concentração de riqueza no Norte bate todas as demais regiões. A menor concentração foi registrada justamente na outra fronteira, o Centro-Oeste (7,3 vezes, exatamente a metade da concentração amazônica).
Outro dado que desestabiliza a propaganda oficial do Governo é o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), o mais recente indicador social criado no Brasil. Ele mostra o brutal contraste entre a quantidade de riqueza extraída de um Estado, como o Pará, e a pobreza que fica a sua população.
O primeiro Estado mais pobre do Brasil é o Amazonas. Seu IDF é de 0,502 (numa escala que vai de 0 (a pior situação) até um (a melhor situação). O Pará é o segundo Estado mais pobre do Brasil (seu IDF é de 0,503). O terceiro Estado mais pobre é o Maranhão.
A pergunta que não podemos deixar de fazer é: por que um Estado, como o Pará, que possuí a nona maior população do país, o Estado que mais dólares líquidos proporcionam à federação nacional, o quarto Estado exportador, o terceiro maior transferidor de energia bruta, o segundo maior minerador possuí índices de desenvolvimento humano tão baixo? A mesma pergunta pode ser feita pelos cidadãos aos governantes do Estado do Amazonas.
As cidades “incham” e os mais pobres são segregados
Os dados até aqui divulgados nos permitem adquirir uma visão um pouco mais aproximado da realidade social das duas cidades amazônicas. Mas não substitui um conhecimento mais próximo da realidade de seus moradores.
Deslocando-se para as chamadas periferias da cidade de Manaus o cenário se assemelha mais com um acampamento humano do que um bairro. Não foi sem razão que foram chamadas de áreas de ocupação, ou invasões, que, depois de consolidadas passam a ser chamadas de bairros. São lugares (ou não lugares, como diz o antropólogo) onde reina a precariedade, a maioria deles sem infra-estrutura e sem planejamento,
Segundo dados da Secretaria de Estado de Terras e Habitação do Estado do Amazonas, nos anos de 2002 e 2003 ocorreram mais de 100 novas ocupações no perímetro urbano. Tal fato demonstra, por um lado, a ausência ou equívocos de políticas públicas para o problema habitacional e urbano, mas por outro, evidencia uma forma de segregação espacial e social.
O crescimento populacional tem provocado um gigantesco êxodo rural e migrações inter e intra-regionais, onde enormes massas populacionais foram expulsas de seus locais ancestrais atraídas pelas promessas da Zona Franca de Manaus e outros meios de sobrevivência, no comércio especialmente, cada vez mais um dos problemas sérios, como podemos perceber ao percorrer pelo centro da cidade e os populosos bairros da Zona Leste, por onde a cidade está se expandindo nos últimos anos.
Um documento da Igreja Católica do Amazonas estima que o número de pessoas empregadas no chamado Distrito Industrial seja menos de 45 mil.
É evidente que o grande contingente de desempregados encontrou no mercado informal a saída para a busca de alguma renda. Hoje, a falta de emprego é o maior empecilho para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas. Em relação aos migrantes, a falta de oportunidades, associada à falta de qualificação técnica, faz com que milhares deles se vejam desesperançados quanto ao futuro. Diante desse quadro, Manaus assiste estarrecida, ao fenômeno da mobilidade humana: migrantes com rostos sofridos caminham constantemente em busca de moradia, educação e qualificação profissional, resultando em uma multidão de excluídos, que poderiam estar contribuindo para a melhoria das condições de vida de suas famílias e garantindo outra realidade, mais venturosa.
Da cidade de Belém temos dados mais precisos:
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), do Rio de Janeiro, com base nas estatísticas do IBGE, entre 1996 e 2003 a renda média da população ocupada de Belém diminuiu quase a metade: 42%. Só de 2002 para 2003 a queda foi de 29,9%.
Outro dado surpreendente e assustador, que não deve ser muito diferente na cidade de Manaus: 150 mil famílias vivem no mercado informal, o que significa pelo menos 750 mil habitantes, ou mais da metade da população do município.
Em Belém, de cada três habitantes em idade de trabalhar, apenas um tem emprego. Os outros vivem de serviços ocasionais, ou na economia clandestina. A clandestinidade pode significar que ele é um vendedor ambulante, a transgredir suavemente as leis para exercer a sua função ou atua diretamente no crime, até mesmo como pistoleiro de aluguel em ação de extermínio já tornada rotineira.
Estes números atestam a pouca eficácia, quanto à geração de renda e emprego, tanto da administração estadual tucana (há 10 anos no poder) quanto da gestão municipal petista em Belém (durante oito anos iniciados em 1997). Eles não apenas não conseguiram inverter a tendência do empobrecimento das populações estadual e municipal como agravaram essa diretriz. Foram incapazes de decifrar o enigma da esfinge dos grandes projetos, que extraem enormes volumes de riquezas naturais do Pará se transforma-las em fontes de renda e emprego.
As ilhas de modernidade e suas metáforas
O cidadão que percorre os bairros, ruas, logradouros públicos e outros recantos da cidade percebe as grandes transformações da cidade nos últimos tempos.
Poderá perceber, também, as transformações físicas da cidade. Percorrendo suas ruas, o mesmo cidadão se depara com as ilhas de modernidade (onde estão as chamadas áreas nobres) com seus bairros como Ponta Negra, os novos shoppings centers, (são quatro, e, brevemente, terá mais um, o que está sendo construído no bairro luxuoso e cara de Ponta Negra).
As mudanças que a modernidade vem provocando na cidade esboçam-se diante dos olhos de seus moradores, quando acompanham a edificação de novos edifícios que diariamente surgem na paisagem da cidade, já movida por uma intensa e competitiva especulação imobiliária, com seus prédios e apartamentos caros e luxuosos. Não são como as torres que se erguem imponentemente em Belém do Pará, mas já se percebe que a especulação imobiliária vem progressivamente ocupando os vazios urbanos, muitas vezes destruindo velhos casarões e erguendo edifícios com mais de vinte andares, criando os mesmos problemas que ocorrem em Belém, como a diminuição da ventilação em uma cidade que tem um dos climas mais quentes do país.
Morar no bairro de Ponta Negra, onde está situado o famoso Hotel Ponta Negra, é um luxo para pouco, um sinal de status. O aluguel de um apartamento de três quartos não custa menos de três mil reais. É uma das poucas áreas de lazer da cidade e nos domingos é grande o número de moradores que correm para a pequena praia em frente do Rio Negro.
Um dos exemplos que não consigo observar sem me chocar quando vejo é um shopping em fase de construção localizado na Zona Leste, um dos mais populosos da cidade e que lidera o número de casos de malária, leishmaniose e dengue na cidade. O shopping (chamado de São José) é uma espécie de metáfora viva da cidade de Manaus, essa combinação de atraso e modernidade.
O prédio, inacabado, com seus imensos blocos de concreto à mostra, teve sua construção paralisada por razões que o público desconhece. Mesmo com os riscos, improvisou-se seu funcionamento. Lojas foram alugadas e uma multidão de pessoas com pequenas rendas freqüenta o lugar, circulando pelo seu reduzido espaço. É uma espécie de shopping dos pobres, onde as pessoas circulam pela praça de alimentação de forma bem simples, mas ávidas para entrar no mundo do consumo.
O Shopping São José é o inverso do seu primo rico, o Shopping Center Manaura com sua arquitetura moderna e imponente, suas luxuosas lojas, seus ambientes espaçosos que intimida a entrada de qualquer cidadão que não esteja minimamente bem trajado e disposto a consumir. Mas o primeiro é uma metáfora mais expressiva da realidade da cidade. É inacabado, está em construção, como a cidade e a própria modernidade. Aqui os que estão fora do consumo conspícuo e sofisticado podem consumir suas guloseimas, tomar seus canecos de chopes nas famosas torres, onde cabem dois litros de cerveja, tudo a preços acessíveis ao bolso. O segundo é para emergente classe média e alta e pode ser visto como uma espécie de novo monumento representativo dos tempos em que a cidade se moderniza, como representou o Teatro Amazonas no começo do século passado.
Se os dois shoppings amazonenses revelam as contradições de sua modernidade, os edifícios torres em Belém do Pará são os símbolos mais evidentes dela. Belém cresce para cima porque não tem para onde crescer e as classes mais abastadas buscam os cumes de suas torres para refugiar-se da violência que assola a cidade, fazendo com que Belém seja uma das cidades mais violentas do país. Aqui os espigões já são expressivos, mas de uns anos para cá vem crescendo os chamados condomínios fechados, imitando os de São Paulo e Rio de Janeiro.
O atraso na política: “A raposa cuidando do galinheiro”
Aqui, como em Belém, a captura dos órgãos públicos pelas oligarquias, a corrupção desenfreada, adquirem as mesmas semelhanças. É duvidoso imaginar que as elites que detém o poder econômico e político nesses dois Estados abdicariam dele, permitindo que o governo federal amplie os seus poderes. O que se percebe é um entrelaçamento entre o governo federal e os poderes locais, através de acordos políticos que permitem que essa elite política esteja sempre se revezando no comando dos dois Estados. Como diz Lúcio Flávio, a federalização acaba proporcionando à raposa cuidar do galinheiro, com as vestes do bom pastor. Um galinheiro, diga-se de passagem, com paus muito sujos por sinal.
Não é preciso ter vivido muito tempo aqui em Manaus para perceber que as práticas políticas não são diferentes do que se vê em outros estados da Federação. Quase todos os políticos estão comprometidos até o último fio de cabelo com o nepotismo, o compadrismo, o fisiologismo, o clientelismo, ou a troca de favores.
Um jornalista amazonense que reside no Rio de Janeiro expressa com ironia essa realidade sobre seu Estado, citando um exemplo representativo: o do deputado Belarmino Lins, atual presidente da Assembléia Legislativa, que contratou por baixo dos panos 33 parentes, entre os quais a própria mãe, que mora no Ceará. Dois filhos, um deles residindo em São Paulo, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, sem trabalhar, no valor anual de R$ 1,2milhão.
Aqui, como em Belém, tudo é paradoxal, como a realidade desse país. Os extremos convivem no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Chega a ser hilário falar em público e privado e muito menos em ética no sentido moderno da palavra. A classe dominante aqui é uma das mais corruptas do mundo e se comporta como os velhos senhores de barracão da época da borracha, dominando os serviços públicos e todas as instituições, inclusive a universidade e a imprensa, cuja propriedade é dela mesma. Aqui, por exemplo, o governo atual gasta R$ 237 milhões em propaganda, três vezes mais que o dinheiro gasto com as vítimas da enchente (80 milhões) e não se vê nenhuma reclamação, nenhum protesto, nem mesmo da intelectualidade da cidade, mesmo quando se revelam fatos como esses.
Os paradoxos e as contradições se expressam nas coisas mais elementares do cotidiano, como na sujeira e na incivilidade, na agressividade das pessoas no trânsito, no trato da coisa pública e em todas as esferas da vida.
Enquanto as cidades empobrecem, futebol e festa
Manaus foi escolhida pela FIFA como uma das cidades que vai sediar a Copa de 2014. Segundo informações oficiais serão investidos R$ 6 bilhões de reais em obras de infra-estrutura, como a construção de arena poliesportivo na área do estádio do Vivaldão, também estão previstas construção de linha de trens monotrilhos e tantas outras obras. Mais um orgulho de ser Amazonense e um motivo para divulgar em larga escala o feito, atribuído, evidentemente ao Governo do Estado que articulou muito bem e soube vender Manaus, a Amazônia, hoje na crista da onda preservacionista mundial.
Uma parte da população está eufórica, com a esperança de que os serviços de transportes, comunicação, novos equipamentos urbanos e a circulação de dinheiro no Estado tragam melhoras substancias para sua zona urbana.
No dia em que foi anunciada a escolha o povo foi para as ruas comemorar a vitória e ironizar os paraenses por ter perdido a disputa. Nesse momento foi possível perceber o preconceito que têm os amazonenses do seu vizinho. Um fato que ainda não encontrei explicações razoáveis (o que corre é o jargão de que todo paraense é ladrão).
Mas a verdadeira razão da derrota foi explicada por um jornalista paraense que analisou o fato mostrando o empenho do governo do Estado do Amazonas que soube aproveitar as vantagens comparativas.
Se para os belenenses mais alertas e sensíveis viver aqui já é um martírio, imagine-se para aqueles que, mesmo por alguns dias, se apresenta a perspectiva de estar na cidade que sugere uma situação de risco permanente? Como podemos convencer as pessoas de fora sem atender os nativos? Como parecer que podemos hospedar visitantes se não damos condições decentes de vida aos moradores do lugar?
As mesmas perguntas deveriam fazer os manauaras sobre o significado desse evento. Uma minoria mais cética teme, com razão, que se repita aqui o que aconteceu com o PAM no Rio de Janeiro, onde os equipamentos utilizados estão num estado de semi-abandono. Também, não são inconsistentes os temores que uma parte considerável das verbas a ser alocada seja abocanhada por empresas que já demonstraram o que podem fazer com o dinheiro público.
Benedito José de Carvalho Filho
Sociólogo
Imaginemos um viajante que se disponha conhecer hoje as duas maiores cidades amazônicas, Belém do Pará e Manaus, não como um simples turista, mas com um olhar mais informado sobre os universos que se escondem por detrás de suas aparências.
Ele, naturalmente, não deixaria de ser tentado a ensaiar algumas comparações, mas logo, silenciosamente, se indagaria: sob que olhar e de que ângulo observar as duas cidades amazônicas?
Através das narrativas postas à disposição do público pelo Estado, que, ao produzir seus coloridos folhetos, induz o leitor a acreditar que as duas cidades descritas são paradisíacas, com seus monumentos históricos, suas belezas naturais, sempre na tentativa de vender para esse público (e de fora) uma imagem da cidade que os seduza, principalmente nesses tempos onde a Amazônia ganha holofotes da mídia mundial?
Informado, ele logo perceberia, como os antigos viajantes que estiveram por aqui entre os séculos XIX e início do século XX, que olhar, ver, observar, e às vezes cheirar, são instrumentos fundamentais em determinados processos de investigação, pois as cidades são espaços vivos, segundo a expressão de um dos seus escritores, Milton Hatoum, onde cada objeto, coisa ou lugar, pode ser retratado a partir de um olhar daquele que observa que nunca é neutro e desprovido de emoção e sensibilidade.
Olhar as cidades no tempo, ler o que se escreveu sobre ela através da ficção, memórias, fotografias, ensaios sociológicos e etnográficos etc.é sempre uma forma de se aproximar de suas identidades, mesmo sabendo que a memória é sempre uma reconstrução imaginária, uma forma de simbolizar o passado. Por isso, torna-se impossível resgatar com precisão os tempos que já se foram, pois o importante é buscar seus restos mnemônicos presentes na sua arquitetura, no traçado de suas ruas, nos modos de vida de seus moradores, restos que sobrevivem ao tempo.
Se a cidade, como diz Ossame é morada concentrada de pessoas, com uma arquitetura e paisagens criadas a partir de um ideal de beleza ou imaginação, ou um lugar de circulação de pessoas, de mercadorias e capital (constituindo-se num conjunto de relações sociais, como diria Marx), como as compreender nas suas múltiplas perspectivas, nas suas polissemias e diferenças a partir do que experimentam seus moradores em pleno século XXI, no momento em que se intensifica o capitalismo, a modernidade, sob o qual dormita um passado constantemente criado e recriado pela força da tradição?
Certamente o nosso viajante logo perceberia que os diversos olhares não são inocentes, mas perpassados pelo poder, ou seja, pelos vencedores, que contam e recontam à sua maneira a história, que acaba por se constituir a história oficial. Perceberia, por exemplo, que a imagem da “cidade monumento” encontrada nos folhetos turísticos, faz parte “de um processo de representação simbólica” onde as narrativas estão permeadas de visões preconceituosas sobre os nativos e carregadas de hipérboles, como a construção da imagem da cidade de Belém, vista como uma cidade modelo da Amazônia, com seus povos autóctones de hábitos e costumes exóticos para quem vem de fora, os turistas viajantes, nacionais e estrangeiros, naturalistas e muitos outros personagens encantados pelo “país das Amazonas.
Além da nostalgia, as “múltiplas cidades”
Belém, uma cidade que, como Manaus, teve seu apogeu na era do ciclo da borracha, que tornou o Pará um dos estados mais ricos do Brasil em fins do século XIX, (isso é questionado pelos amazonenses) guarda um patrimônio arquitetônico significativo, signos da belle époque. Muitos estão em mal estado de conservação e são observados à distância pelo nosso viajante, gerando nele uma sensação ambivalente de decadência e nostalgia.
Segundo observou um cartógrafo, estudioso da cidade, o discurso atual sobre um suposto passado glamoroso e as tentativas que os órgãos públicos fazem para cristalizar e transformar esse passado é um desejo de contrapor-se à finitude; desejo de congelar o tempo, de fugir à inexorabilidade do seu escoar. Como exemplo disso temos o belo álbum Belém da Saudade onde se percebe isso que ele chama de nostalgia imobilizadora, esse sentimento bem perceptível nos moradores mais velhos da cidade, sempre recordando a Belém que já teve, sem perceber que esse período não nos pertenceu e que esse desejo idealizado de paz, tranqüilidade e beleza da cidade que não é mais, na verdade, esconde um medo profundo do presente e do futuro que não aparece como muito promissor no momento.
Essa nostalgia evidenciada numa parcela dos cidadãos paraenses também é muito presente no cidadão amazonense. Ao folhear os jornais da cidade frequentemente deparamo-nos com as crônicas da cidade antiga, os seus velhos pontos de encontro, as brincadeiras de crianças, os jogos de futebol nos campos de várzeas, as ruas onde se encontravam para tomar a fresca em frentes das casas (hábito que perdura em alguns lugares) e tantas outras recordações. Todos esses fragmentos de lembranças trazem à tona essa nostalgia que, na maioria das vezes, idealiza o passado e teme o presente nessa era de acelerada modernidade com suas autodestruição criadora, mudando paisagens urbanas, criando e recriando novas formas de sociabilidade.
Como em Belém, aqui o patrimônio arquitetônico deixado pela époque belle também é exaltado e reverenciado, como o majestoso Teatro Amazônico, inaugurado em 1896, com seu auditório em forma de ferradura, com capacidade para 681 pessoas, incluindo três andares de camarote; o belo prédio da Alfândega inaugurado em 1906, todo executado com matéria prima da Inglaterra, um dos primeiros prédios do Brasil construído em blocos de pedra, como dizem orgulhosos os amazonenses; a Usina Chamiê, hoje um prédio que serve para exposição de arte, mas que, no passado era uma estação de tratamento de esgotos, mesmo que nunca tenha funcionado com essa finalidade; o seu Porto, construído pelos ingleses em 1902, onde se pode divisar da margem a passarela de passageiros, indo e vindo pela ponte de concreto, feita para oscilar com a subida e descida das águas do Rio Negro.
Em qualquer folheto para turistas nacionais e estrangeiros pode-se manusear e visitar esses prédios históricos. Por isso, nosso viajante não tem interesse em fazer o balanço detalhado de seu percurso ao visitar todos esses monumentos e se interroga: onde se escondem as “outras cidades”, aquelas que não aparecem nas narrativas do poder, que permanecem invisíveis, como as “cidades invisíveis” de Ítalo Calvino? De que forma a maioria de seus moradores vivem, amam e morrem nessas duas cidades tão rivais e provincianas em suas disputas?
Os turbilhões e abalos sísmicos por vir
Circulando na cidade de Manaus, por onde trafega no meio de um trânsito enlouquecido (descobre depois de ler um jornal local que a cidade de Manaus, possui o décimo oitavo transito pior do mundo), vê rapidamente as propagandas do governo dizendo que o povo amazonense tem orgulho de ser amazonense. Isso o fez recordar os outdoors espalhados pelas ruas de Belém, onde aparecia a foto da governadora e, ao lado, com letras bem visíveis, o dizeres sobre o Pará, terra de direitos, em um dia de muita chuva e calor, exatamente quando o jornal local divulgava a absolvição do assassino da irmã Dorothy, intrépida defensora do meio ambiente.
No meio daquele turbilhão, em plena Bola do Coroado, como o povo da cidade de Manaus batizou um retorno, onde atualmente está sendo construído um imenso viaduto para dar conta do imenso fluxo de veículos que vai em direção à Zona Leste ao centro da cidade, o nosso viajante tomou consciência de que a cidade, com seus 14.337 quilômetros quadrados de espaço territorial abriga mais de 2 milhões de pessoas que moram, trabalham, vivem e morrem em territórios distintos, com suas exclusões sociais, suas segregações, suas diversidades culturais e formas de sociabilidades.
Nessa polissemia de vozes e estilos de vida, entre o luxo (de uma minoria fechada em seus carros climatizados) e a precariedade (dos que usam os transportes públicos) esse fosso que separa a cidade dos ricos e dos pobres, ele estava convicto da existência de muitas “cidades” que emergiam nessas duas urbes amazônicas, impossíveis de serem captadas e compreendidas sem um longo trabalho etnográfico, de observação e análise.
Mas o que estar por vir é um turbilhão infinitamente maior do que este e suas conseqüências são imprevisíveis, como os abalos sísmicos que ameaçam a vida de muitas cidades do Amazonas.
Manaus é a única capital do país que não tem acesso rodoviário. A reabertura da Rodovia BR-319, prevista pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) vai provocar transformações ainda mais radicais na cidade de Manaus, que tem como carro chefe de sua economia o que se produz na Zona Franca, gerador de parte considerável dos empregos na cidade, juntamente com setor comercial, principalmente o mercado informal, os dois maiores geradores de emprego nos últimos anos, juntamente com o primitivo escambo extrativista, que funciona ainda nos moldes do começo do século passado.
Uma revista profetiza o que vem pela frente quando essa rodovia estiver concluída:
Como qualquer estrada, em qualquer país, em qualquer tempo, vai ser a ponta de lança de um processo de povoamento essencialmente hostil ao meio ambiente. Por outro lado, como artéria do desenvolvimento, ela é prioritária. A rodovia fará ligação por terra dos estados do Amazonas e Roraima com o resto do país. Ligaria também a Região Sudeste à malha da vizinha Venezuela.
A hostilidade já estava acontecendo desde quando ela começou a ser construída no princípio dos anos 70, quando por ali passaram linhas de ônibus regulares, até 1982. Mas por falta de manutenção, 400 quilômetros de asfalto se perderam, e o trecho ficou intransitável.
Como pano de fundo é evidente que o que está em questão é a maior inserção do Estado do Amazonas e de sua capital, Manaus, na dinâmica do capitalismo selvagem, já visto no Pará, sempre com sua lógica do desenvolvimento a qualquer custo e muito menos a preocupação com o homem e o meio ambiente, mesmo quando apresenta seus estudos de impacto ambiental prometendo conciliar conservação com desenvolvimento.
Como deixar intacta uma região que possuí a maior bacia hidrográfica do mundo em um país carente de energia limpa, boa parte delas localizadas na região Amazônica? Como deter um imenso fluxo migratório que virá numa avalanche quando a estrada estiver concluída? Como evitar os imensos desmatamentos já iniciados no sul do Estado do Amazonas com a introdução da cultura da soja e a disseminação das pragas que já é objeto de grandes preocupações no sul do Estado? As medidas propostas pelo DNIT no EIA/RIMA serão suficientes para impedir que a integridade física e territorial dos índios Palmiri, Apurinã, Parintintin,Thearim, Tora, Mura e tantos outros (são cerca de 10 tribos) seja mantida ? Ou vão se repetir os mesmos massacres que ocorreram durante a construção das grandes rodovias na Amazônia, onde impera as grilagens, a pistolagem e os grandes conflitos de terra?
As duas cidades, Manaus e Belém não podem ser pensadas fora desse contexto maior. Elas são produtos, como todas as cidades brasileiras, cada uma com a sua singularidade no processo de modernização conservadora brasileira, onde se desenvolve um capitalismo que foi capaz de gerar uma base produtiva e complexa e diversificada na região sudeste e que gera, ao mesmo tempo, a pobreza, a exclusão social, a desigualdade regional e a reprodução da relação entre o arcaico e o moderno, ambigüidade bem visível para qualquer viajante que se disponha a sair do litoral e conhecer o que acontece nos grotões do país. O que se chama de desenvolvimento e exclusão social, crescimento e pobreza é face de uma mesma moeda, mesmo nas regiões mais ricas do país, como São Paulo, por exemplo.
Os cidadãos da cidade de Belém conhecem muito bem o que ocorreu quando foram abertas as suas fronteiras, iniciando com a Belém-Brasília, quando possuía uma diminuta população. Manaus, já integrada nessa dinâmica, mas ainda não com a mesma intensidade da cidade de Belém, enfrentará os mesmos problemas de sua co-irmã, mas com um agravante: a explosão populacional, pois a cidade que hoje possuí mais de 2,5 milhões de pessoas espremida em seu sítio urbano, acolhendo uma população carente de todos os serviços urbanos necessário para sobreviver civilizadamente, verá os novos forasteiros chegando sem que a cidade ofereça as condições necessárias para viver uma vida digna na sociedade. Os serviços públicos, que hoje são precários, dificilmente serão capazes de responder a gigantesca demanda e a cidade explodirá com a violência – como acontece agudamente em Belém -, o caos urbano, com as especulações imobiliárias, o trânsito caótico e tantos outros problemas capazes de imobilizar qualquer administração pública. É isso que se chama progresso nessa imensa e rica região do país.
Para muitos cidadãos das duas cidades isso é visto com otimismo e isso é muito bem trabalhado pela farta publicidade governamental. O Pará realçando a riqueza de seu subsolo, onde se encontram as maiores reservas minerais do mundo, e o Amazonas a sua floresta, sua biodiversidade, seu potencial turístico e sua inesgotável riqueza florestal. Por isso, a cidade já estuda a localização de um novo porto (em Lajes, na confluência do rio Negro com o Solimões) e cria as condições para ampliação de novas zonas de ocupação em seu entorno que será possível quando a ponte sobre o rio Negro estiver concluída.
Por que me ufano de meu Estado?
Será mesmo que o amanuense se orgulha em viver numa cidade com tantos problemas dramáticos como existentes atualmente? Ele tem consciência do furacão que se aproxima? Quando o governo fala em povo amazonense de que povo está se referindo? Dos que vivem nas chamadas áreas nobres com alto poder de consumo, que freqüentam as zonas sofisticadas, uma parcela bem reduzida de sua população? Ou às populações de seus bairros pobres, das baixadas, como as de Belém do Pará, ou as chamadas ocupações da cidade de Manaus?
Muitas vezes quando se compara Manaus com Belém um dos indicadores apontados pelo senso comum é o tamanho da população das duas cidades, como se isso significasse um sinal de progresso e desenvolvimento. Certo provincianismo e uma rivalidade cega acirram uma antiga disputa para saber qual a cidade maior da Amazônia, sem uma reflexão sobre o significado dessa explosão demográfica verificada nessas duas regiões.
De fato, as duas cidades da Amazônia vêm experimentando nessas quase quatro décadas um crescimento demográfico simplesmente espantoso. Manaus, por exemplo, possuía em 1970 pouco mais de 300 mil habitantes em seu território urbano, no ano de 2000, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltou para 1,5 milhões de habitantes e hoje (2009) já passa de 2 milhões de pessoas (se incluirmos nessa contabilidade a população que reside na área metropolitana) ultrapassando Belém que não chegou a 1,4 milhões de habitantes.
Curioso, mas que revela uma das singularidades do desenvolvimento urbano da Amazônia é a forma de ocupação de seu território. O Estado do Amazonas é um desses casos singulares, talvez o único no país. Considerado o maior Estado do Brasil, possuí 1,5 milhão de quilômetros quadrados e ocupa mais de 18% do território brasileiro. Temos, portanto, um imenso território parcamente povoado (como toda a Amazônia onde vivem mais de 20 milhões de brasileiros, quase o dobro da existente na cidade de São Paulo), onde a maior parte de sua população vive nos seus 14.337 quilômetros quadrados, área que ocupa a cidade, fazendo de Manaus uma “ilha demográfica”.
Como diz o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto ao comparar Belém e Manaus:
Mas enquanto Manaus concentra praticamente metade da população do Amazonas, que tem 300 mil quilômetros quadrados a mais do que o Pará (um terço a mais do território, portanto), Belém está restrita a praticamente 20% do Estado. No entanto, a capital nucleou o seu entorno, enquanto Manaus é uma “ilha demográfica”.
Mais adiante aponta uma outra característica:
A área metropolitana de Belém, com cinco municípios, já passou de dois milhões de habitantes, o que dá maior poder irradiador e retro alimentador à sua rede demográfica, uma capilaridade que poderá ser ainda mais importante no caso de uma nova divisão territorial do Pará. A fragilidade nesse aspecto é visível e grave.
É grave porque o que movimenta a cidade de Manaus é a Zona Franca, um instrumento de desenvolvimento baseado num tratamento tributário e alfandegário especial, à base de renúncia fiscal, e considerando a capital amazonense como se fora território estrangeiro.
Mas, pergunta o jornalista e sociólogo:
Mas o que acontecerá em 2013, quando – e se – a Zona Franca chegar ao fim? Manaus terá amadurecido o bastante para caminhar com as próprias pernas? O Amazonas terá sido modificado o bastante, por iniciativa como a Zona Franca Verde, do atual governo do Estado, para não submergir sob uma eventual crise da capital?
De fato, o gerador de todo esse processo de crescimento demográfico em Manaus teve como marco inicial o ano de 1967, quando foi implantado o modelo econômico Zona Franca de Manaus no âmbito da política regional de integração nacional dos governos militares.
As mudanças trazidas pelo processo de industrialização afetaram rapidamente a vida cotidiana dos amazonenses. A estrutura da cidade modifica-se com numa velocidade intensa, criando novas formas de sociabilidade e alterando as formas de viver, sentir e perceber a cidade. O espaço urbano ganha outra visibilidade com o crescimento populacional decorrente do processo migratório, que ocorre com a formação de inúmeros bairros. Eles passam a constituir a periferia da cidade.
A crise apontada pelo jornalista já é evidente, acelerada com outra crise bem maior: a crise econômica mundial, cujos efeitos já se fazem sentir na cidade, como a presença de uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras demitidos nesses últimos meses, aumentando e agravando os graves problemas de uma cidade que se transforma em uma velocidade estonteante e selvagem, onde logo se percebe as imensas desigualdades sociais no acesso a todos os serviços e na brutal demanda das classes populares, lotando hospitais, os transportes (precarissímos), a educação e todos os serviços públicos.
É preciso lembrar, que apesar do apelo ufanista dos administradores da cidade, recorrendo ao reforço da auto-estima dos amazonenses, como o slogan “o orgulho de ser amazonense”, não há tanta razão para o cidadão pobre, desempregado, se orgulhar tanto de sua terra.
Os últimos indicadores sociais não vão na direção desse otimismo governamental. Recentemente o IBGE divulgou, pela primeira vez, uma divisão do Produto Interno Bruto por municípios. Essa novidade estatística mostrou que Manaus possuí o quarto maior PIB municipal do Brasil, do tamanho de R$ 20,3 bilhões, superior ao de capitais mais populosas, como Belo Horizonte (em quinto lugar, com R$ 18 bilhões), e Curitiba (7%), com R$ 14 bilhões. Belém ficou 27 lugar.
Mas quando se verifica como está distribuída essa riqueza na cidade de Manaus e Belém os dados são assustadores e confirmam as impressões do viajante quando circula por ela:
Quarta em geração de riqueza, a capital amazonense ocupa o 1.194º lugar por um índice que mede a distribuição dessa riqueza, na forma de desenvolvimento econômico, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais relevante atualmente que o PIB. (...) Por causa de Manaus, a Amazônia aparece como a segunda região do país que mais concentra a riqueza, abaixo do Sudeste que sofre o impacto de São Paulo, o município que mais desigualdade gera. No Norte, 10% dos Municípios com maiores PIBs produzem 14,7 vezes mais renda que 50% com menor PIB. A média nacional (de 19,9 vezes) é maior justamente por causa da desigualdade do Sudeste (29,8 vezes), devido a São Paulo.
Mas, continua o jornalista:
A concentração de riqueza no Norte bate todas as demais regiões. A menor concentração foi registrada justamente na outra fronteira, o Centro-Oeste (7,3 vezes, exatamente a metade da concentração amazônica).
Outro dado que desestabiliza a propaganda oficial do Governo é o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), o mais recente indicador social criado no Brasil. Ele mostra o brutal contraste entre a quantidade de riqueza extraída de um Estado, como o Pará, e a pobreza que fica a sua população.
O primeiro Estado mais pobre do Brasil é o Amazonas. Seu IDF é de 0,502 (numa escala que vai de 0 (a pior situação) até um (a melhor situação). O Pará é o segundo Estado mais pobre do Brasil (seu IDF é de 0,503). O terceiro Estado mais pobre é o Maranhão.
A pergunta que não podemos deixar de fazer é: por que um Estado, como o Pará, que possuí a nona maior população do país, o Estado que mais dólares líquidos proporcionam à federação nacional, o quarto Estado exportador, o terceiro maior transferidor de energia bruta, o segundo maior minerador possuí índices de desenvolvimento humano tão baixo? A mesma pergunta pode ser feita pelos cidadãos aos governantes do Estado do Amazonas.
As cidades “incham” e os mais pobres são segregados
Os dados até aqui divulgados nos permitem adquirir uma visão um pouco mais aproximado da realidade social das duas cidades amazônicas. Mas não substitui um conhecimento mais próximo da realidade de seus moradores.
Deslocando-se para as chamadas periferias da cidade de Manaus o cenário se assemelha mais com um acampamento humano do que um bairro. Não foi sem razão que foram chamadas de áreas de ocupação, ou invasões, que, depois de consolidadas passam a ser chamadas de bairros. São lugares (ou não lugares, como diz o antropólogo) onde reina a precariedade, a maioria deles sem infra-estrutura e sem planejamento,
Segundo dados da Secretaria de Estado de Terras e Habitação do Estado do Amazonas, nos anos de 2002 e 2003 ocorreram mais de 100 novas ocupações no perímetro urbano. Tal fato demonstra, por um lado, a ausência ou equívocos de políticas públicas para o problema habitacional e urbano, mas por outro, evidencia uma forma de segregação espacial e social.
O crescimento populacional tem provocado um gigantesco êxodo rural e migrações inter e intra-regionais, onde enormes massas populacionais foram expulsas de seus locais ancestrais atraídas pelas promessas da Zona Franca de Manaus e outros meios de sobrevivência, no comércio especialmente, cada vez mais um dos problemas sérios, como podemos perceber ao percorrer pelo centro da cidade e os populosos bairros da Zona Leste, por onde a cidade está se expandindo nos últimos anos.
Um documento da Igreja Católica do Amazonas estima que o número de pessoas empregadas no chamado Distrito Industrial seja menos de 45 mil.
É evidente que o grande contingente de desempregados encontrou no mercado informal a saída para a busca de alguma renda. Hoje, a falta de emprego é o maior empecilho para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas. Em relação aos migrantes, a falta de oportunidades, associada à falta de qualificação técnica, faz com que milhares deles se vejam desesperançados quanto ao futuro. Diante desse quadro, Manaus assiste estarrecida, ao fenômeno da mobilidade humana: migrantes com rostos sofridos caminham constantemente em busca de moradia, educação e qualificação profissional, resultando em uma multidão de excluídos, que poderiam estar contribuindo para a melhoria das condições de vida de suas famílias e garantindo outra realidade, mais venturosa.
Da cidade de Belém temos dados mais precisos:
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), do Rio de Janeiro, com base nas estatísticas do IBGE, entre 1996 e 2003 a renda média da população ocupada de Belém diminuiu quase a metade: 42%. Só de 2002 para 2003 a queda foi de 29,9%.
Outro dado surpreendente e assustador, que não deve ser muito diferente na cidade de Manaus: 150 mil famílias vivem no mercado informal, o que significa pelo menos 750 mil habitantes, ou mais da metade da população do município.
Em Belém, de cada três habitantes em idade de trabalhar, apenas um tem emprego. Os outros vivem de serviços ocasionais, ou na economia clandestina. A clandestinidade pode significar que ele é um vendedor ambulante, a transgredir suavemente as leis para exercer a sua função ou atua diretamente no crime, até mesmo como pistoleiro de aluguel em ação de extermínio já tornada rotineira.
Estes números atestam a pouca eficácia, quanto à geração de renda e emprego, tanto da administração estadual tucana (há 10 anos no poder) quanto da gestão municipal petista em Belém (durante oito anos iniciados em 1997). Eles não apenas não conseguiram inverter a tendência do empobrecimento das populações estadual e municipal como agravaram essa diretriz. Foram incapazes de decifrar o enigma da esfinge dos grandes projetos, que extraem enormes volumes de riquezas naturais do Pará se transforma-las em fontes de renda e emprego.
As ilhas de modernidade e suas metáforas
O cidadão que percorre os bairros, ruas, logradouros públicos e outros recantos da cidade percebe as grandes transformações da cidade nos últimos tempos.
Poderá perceber, também, as transformações físicas da cidade. Percorrendo suas ruas, o mesmo cidadão se depara com as ilhas de modernidade (onde estão as chamadas áreas nobres) com seus bairros como Ponta Negra, os novos shoppings centers, (são quatro, e, brevemente, terá mais um, o que está sendo construído no bairro luxuoso e cara de Ponta Negra).
As mudanças que a modernidade vem provocando na cidade esboçam-se diante dos olhos de seus moradores, quando acompanham a edificação de novos edifícios que diariamente surgem na paisagem da cidade, já movida por uma intensa e competitiva especulação imobiliária, com seus prédios e apartamentos caros e luxuosos. Não são como as torres que se erguem imponentemente em Belém do Pará, mas já se percebe que a especulação imobiliária vem progressivamente ocupando os vazios urbanos, muitas vezes destruindo velhos casarões e erguendo edifícios com mais de vinte andares, criando os mesmos problemas que ocorrem em Belém, como a diminuição da ventilação em uma cidade que tem um dos climas mais quentes do país.
Morar no bairro de Ponta Negra, onde está situado o famoso Hotel Ponta Negra, é um luxo para pouco, um sinal de status. O aluguel de um apartamento de três quartos não custa menos de três mil reais. É uma das poucas áreas de lazer da cidade e nos domingos é grande o número de moradores que correm para a pequena praia em frente do Rio Negro.
Um dos exemplos que não consigo observar sem me chocar quando vejo é um shopping em fase de construção localizado na Zona Leste, um dos mais populosos da cidade e que lidera o número de casos de malária, leishmaniose e dengue na cidade. O shopping (chamado de São José) é uma espécie de metáfora viva da cidade de Manaus, essa combinação de atraso e modernidade.
O prédio, inacabado, com seus imensos blocos de concreto à mostra, teve sua construção paralisada por razões que o público desconhece. Mesmo com os riscos, improvisou-se seu funcionamento. Lojas foram alugadas e uma multidão de pessoas com pequenas rendas freqüenta o lugar, circulando pelo seu reduzido espaço. É uma espécie de shopping dos pobres, onde as pessoas circulam pela praça de alimentação de forma bem simples, mas ávidas para entrar no mundo do consumo.
O Shopping São José é o inverso do seu primo rico, o Shopping Center Manaura com sua arquitetura moderna e imponente, suas luxuosas lojas, seus ambientes espaçosos que intimida a entrada de qualquer cidadão que não esteja minimamente bem trajado e disposto a consumir. Mas o primeiro é uma metáfora mais expressiva da realidade da cidade. É inacabado, está em construção, como a cidade e a própria modernidade. Aqui os que estão fora do consumo conspícuo e sofisticado podem consumir suas guloseimas, tomar seus canecos de chopes nas famosas torres, onde cabem dois litros de cerveja, tudo a preços acessíveis ao bolso. O segundo é para emergente classe média e alta e pode ser visto como uma espécie de novo monumento representativo dos tempos em que a cidade se moderniza, como representou o Teatro Amazonas no começo do século passado.
Se os dois shoppings amazonenses revelam as contradições de sua modernidade, os edifícios torres em Belém do Pará são os símbolos mais evidentes dela. Belém cresce para cima porque não tem para onde crescer e as classes mais abastadas buscam os cumes de suas torres para refugiar-se da violência que assola a cidade, fazendo com que Belém seja uma das cidades mais violentas do país. Aqui os espigões já são expressivos, mas de uns anos para cá vem crescendo os chamados condomínios fechados, imitando os de São Paulo e Rio de Janeiro.
O atraso na política: “A raposa cuidando do galinheiro”
Aqui, como em Belém, a captura dos órgãos públicos pelas oligarquias, a corrupção desenfreada, adquirem as mesmas semelhanças. É duvidoso imaginar que as elites que detém o poder econômico e político nesses dois Estados abdicariam dele, permitindo que o governo federal amplie os seus poderes. O que se percebe é um entrelaçamento entre o governo federal e os poderes locais, através de acordos políticos que permitem que essa elite política esteja sempre se revezando no comando dos dois Estados. Como diz Lúcio Flávio, a federalização acaba proporcionando à raposa cuidar do galinheiro, com as vestes do bom pastor. Um galinheiro, diga-se de passagem, com paus muito sujos por sinal.
Não é preciso ter vivido muito tempo aqui em Manaus para perceber que as práticas políticas não são diferentes do que se vê em outros estados da Federação. Quase todos os políticos estão comprometidos até o último fio de cabelo com o nepotismo, o compadrismo, o fisiologismo, o clientelismo, ou a troca de favores.
Um jornalista amazonense que reside no Rio de Janeiro expressa com ironia essa realidade sobre seu Estado, citando um exemplo representativo: o do deputado Belarmino Lins, atual presidente da Assembléia Legislativa, que contratou por baixo dos panos 33 parentes, entre os quais a própria mãe, que mora no Ceará. Dois filhos, um deles residindo em São Paulo, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, sem trabalhar, no valor anual de R$ 1,2milhão.
Aqui, como em Belém, tudo é paradoxal, como a realidade desse país. Os extremos convivem no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Chega a ser hilário falar em público e privado e muito menos em ética no sentido moderno da palavra. A classe dominante aqui é uma das mais corruptas do mundo e se comporta como os velhos senhores de barracão da época da borracha, dominando os serviços públicos e todas as instituições, inclusive a universidade e a imprensa, cuja propriedade é dela mesma. Aqui, por exemplo, o governo atual gasta R$ 237 milhões em propaganda, três vezes mais que o dinheiro gasto com as vítimas da enchente (80 milhões) e não se vê nenhuma reclamação, nenhum protesto, nem mesmo da intelectualidade da cidade, mesmo quando se revelam fatos como esses.
Os paradoxos e as contradições se expressam nas coisas mais elementares do cotidiano, como na sujeira e na incivilidade, na agressividade das pessoas no trânsito, no trato da coisa pública e em todas as esferas da vida.
Enquanto as cidades empobrecem, futebol e festa
Manaus foi escolhida pela FIFA como uma das cidades que vai sediar a Copa de 2014. Segundo informações oficiais serão investidos R$ 6 bilhões de reais em obras de infra-estrutura, como a construção de arena poliesportivo na área do estádio do Vivaldão, também estão previstas construção de linha de trens monotrilhos e tantas outras obras. Mais um orgulho de ser Amazonense e um motivo para divulgar em larga escala o feito, atribuído, evidentemente ao Governo do Estado que articulou muito bem e soube vender Manaus, a Amazônia, hoje na crista da onda preservacionista mundial.
Uma parte da população está eufórica, com a esperança de que os serviços de transportes, comunicação, novos equipamentos urbanos e a circulação de dinheiro no Estado tragam melhoras substancias para sua zona urbana.
No dia em que foi anunciada a escolha o povo foi para as ruas comemorar a vitória e ironizar os paraenses por ter perdido a disputa. Nesse momento foi possível perceber o preconceito que têm os amazonenses do seu vizinho. Um fato que ainda não encontrei explicações razoáveis (o que corre é o jargão de que todo paraense é ladrão).
Mas a verdadeira razão da derrota foi explicada por um jornalista paraense que analisou o fato mostrando o empenho do governo do Estado do Amazonas que soube aproveitar as vantagens comparativas.
Se para os belenenses mais alertas e sensíveis viver aqui já é um martírio, imagine-se para aqueles que, mesmo por alguns dias, se apresenta a perspectiva de estar na cidade que sugere uma situação de risco permanente? Como podemos convencer as pessoas de fora sem atender os nativos? Como parecer que podemos hospedar visitantes se não damos condições decentes de vida aos moradores do lugar?
As mesmas perguntas deveriam fazer os manauaras sobre o significado desse evento. Uma minoria mais cética teme, com razão, que se repita aqui o que aconteceu com o PAM no Rio de Janeiro, onde os equipamentos utilizados estão num estado de semi-abandono. Também, não são inconsistentes os temores que uma parte considerável das verbas a ser alocada seja abocanhada por empresas que já demonstraram o que podem fazer com o dinheiro público.
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